O síndico e a CLT
Inegável é que o síndico, no exercício de sua função, presta algum tipo de trabalho ao condomínio, administrando-o. Nessa relação, diversas são as possibilidades e formas de execução dessa administração. Há casos, inclusive, em que a atividade é exercida até de forma exclusiva pelo síndico, que por opção, cumpre até mesmo horários à disposição do condomínio. Há ainda as hipóteses em que o síndico eleito não seja condômino, mas que por exercer a atividade também na administração de outros condomínios, acaba determinando a sindicância como ofício, atividade, profissão.
Também inegável é que ser síndico dá trabalho! E muito!
Realmente o termo “trabalho” pode assumir vários significados, variáveis de acordo com o contexto situacional de seu uso. Interessa-nos, aqui, entretanto, a análise do termo sob o aspecto de se investigar sobre a possibilidade de configuração de relação de emprego (trabalho subordinado) no relacionamento entre o síndico e o condomínio. E isso é importante para que se conclua pela aplicação, ou não, das disposições da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho – à relação entre síndico e condomínio.
Pois bem.
A CLT vigente reza que:
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
Constata-se, portanto, que é necessária a coexistência dos seguintes requisitos para a configuração da relação empregatícia: a) pessoalidade; b) não eventualidade; c) subordinação (em destaque no texto legal); e, d) onerosidade. A ausência de qualquer um deles implica na impossibilidade da configuração da relação empregatícia.
Com efeito, a relação existente entre síndico e condomínio é pessoal, uma vez que os poderes exercidos pelo síndico são fixados pelo art. 1.348, e somente podem ser outorgados a terceiro mediante autorização própria de assembleia geral, nos termos do § 2º do mesmo artigo:
Art. 1.348. Compete ao síndico:
I - convocar a assembleia dos condôminos;
II - representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns;
III - dar imediato conhecimento à assembleia da existência de procedimento judicial ou administrativo, de interesse do condomínio;
IV - cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia;
V - diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores;
VI - elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano;
VII - cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas;
VIII - prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas;
IX - realizar o seguro da edificação.
§ 1º Poderá a assembleia investir outra pessoa, em lugar do síndico, em poderes de representação.
§ 2º O síndico pode transferir a outrem, total ou parcialmente, os poderes de representação ou as funções administrativas, mediante aprovação da assembleia, salvo disposição em contrário da convenção.
Também possui característica não eventual, já que os atos de gestão não dependem de prévia combinação. São previsíveis e se desenvolvem dia após dia.
Na quase totalidade dos casos, a atividade é onerosa – já que se desenvolve mediante pagamento de remuneração, concessão de isenção de pagamento de contribuições, ou outra forma fixada pela convenção do condomínio ou pela assembleia que o eleger.
Todavia, é imperioso verificar-se a ausência de subordinação da figura do síndico em relação ao condomínio – já que se trata de figura autônoma. Não se subordina, por exemplo, ao cumprimento de jornada, obediência de ordens, desempenha o encargo da forma como ele mesmo determina – com simples observância da legislação civil e da convenção do condomínio, suporta por si as despesas e encargos inerentes ao cumprimento do cargo.
Doutrinariamente, a figura do síndico estabelece uma relação de mandato com o ente despersonalizado denominado “Condomínio”, regido especificamente pelos artigos 1.347 e seguintes do Código Civil, e, suplementarmente, as normas previstas pela própria Convenção do Condomínio. Dessa forma, é o síndico a figura do “mandatário”, quem, por sua vez, exerce atos próprios da administração de interesses.
Esse, inclusive, é o posicionamento da jurisprudência.
Com efeito, a análise da existência de vínculo empregatício entre a figura do síndico e o condomínio já foi analisada por alguns Tribunais do Trabalho. Vejamos:
RECURSO ORDINÁRIO. VÍNCULO DE EMPREGO. SÍNDICO DE CONDOMÍNIO. NÃO CONDÔMINO. ELEIÇÃO LÍCITA E EXERCÍCIO REGULAR DOS PODERES DE SÍNDICO. INEXISTÊNCIA. A relação entre o condomínio e o síndico é a de mandante e mandatário, detendo o síndico em suas mãos os poderes diretivo e disciplinar inerentes à administração do condomínio. Em outras palavras, como órgão administrativo direto do condomínio, o síndico enfeixa em suas mãos todas as atribuições do próprio empregador, inclusive e principalmente o poder de comando sobre os empregados do condomínio. Ou seja, longe de ser empregado subordinado ao condomínio, é ao síndico que os empregados estão subordinados. É fato que um síndico pode ser empregado, porém isso somente ocorrerá se esse cargo for exercido de forma meramente figurativa ou carente da integralidade dos poderes diretivo e disciplinar que lhe são inerentes. (TRT-1 - RO: 4243520115010024 RJ, Relator: Marcelo Augusto Souto de Oliveira, Data de Julgamento: 19/02/2013, Oitava Turma, Data de Publicação: 28-02-2013)
Em outras palavras, o aresto acima citado apenas admitiu, hipoteticamente, a possibilidade de o síndico ser empregado, somente na hipótese clara em que os poderes diretivos e disciplinares não sejam por ele exercidos. A própria jurisprudência evidenciou, na análise daquele caso concreto posto em juízo, a ausência de um superior hierárquico em relação à figura de síndico – o que por si inviabiliza a configuração do elemento “subordinação”, vejamos:
VÍNCULO DE EMPREGO - SÍNDICO DE CONDOMÍNIO APART-HOTEL - INEXISTÊNCIA. Indemonstrado pelo Autor o exercício de funções que se inserem nas atividades finalísticas da empresa hoteleira, mas o pleno desempenho das atribuições afetas ao cargo de síndico, tal como delimitadas na alínea b do § 1.º do art. 22 da Lei n.º 4.591/64, eventual entrelaçamento das atividades se mostra incapaz de fixar-lhe o status de empregado, sobretudo quando confessamente não tinha superior hierárquico, daí a ausência dos requisitos exigidos nos arts. 2.º e 3.º da CLT para a caracterização do pacto laboral. Recurso desprovido. (TRT-10 - RO: 911200501010002 DF 00911-2005-010-10-00-2, Relator: Juiz JOÃO LUIS ROCHA SAMPAIO, Data de Julgamento: 26/04/2006, 3ª Turma, Data de Publicação: 05/05/2006)
Importante salientar que a inexistência de “superior hierárquico” é situação ordinária verificada na relação entre o síndico e o condomínio.
O próprio Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, em decisão didática, analisa a impossibilidade de subordinação da figura do síndico, nos seguintes termos:
VÍNCULO EMPREGATÍCIO. Correta a sentença ao julgar improcedente a ação face à confusão entre a figura do empregador e a do empregado criada pela autora ao pleitear vínculo empregatício no período em que figurou como síndica-geral do condomínio, tendo realizado atividades como administradora, com a formalização, inclusive, de contrato com administradora de imóveis, fls. 26/28, quando, então, só seria possível a ela ser empregada do condomínio se contratada por si própria. (TRT-4 - RO: 49686013 RS 49686.013, Relator: JOSÉ ANTONIO PEREIRA DE SOUZA, Data de Julgamento: 10/08/1999, 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre)
Dessa forma, ainda que o síndico seja efetivamente remunerado, não há que se falar em relação de emprego, já que o elemento da subordinação é estranho a essa modalidade de gestão – o mandato. Ou seja, competiria ao próprio síndico “subordinar” e não “ser subordinado”.
Decorrência dessa análise é se concluir pela inaplicabilidade de obrigações próprias do contrato de trabalho, regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, como 13º salário, férias + 1/3, descanso semanal remunerado - DSR, horas extras, FGTS e outras obrigações típicas da relação de emprego.
Isso não quer dizer, entretanto, que a convenção ou a assembleia não possam fixar pagamento de verbas com a denominação, por exemplo, de “13o do síndico”. A legislação não faz vedação. Todavia, é indispensável compreender que a obrigação do pagamento de referida verba somente irá decorrer, eventualmente, daqueles instrumentos obrigacionais e regulatórios próprios do condomínio. E o pagamento disso não caracteriza a “relação de emprego”.
Portanto, pouco importa se o síndico eleito tem a atividade de síndico por ofício, se é condômino, pessoa física ou jurídica. Uma vez ausente o elemento de subordinação, também ausente a possibilidade jurídica de formação do vínculo jurídico indispensável para o reconhecimento da relação de emprego prevista pela CLT.